«A Igreja tem necessidade de que todos nós sejamos
profetas», isto é, «homens de esperança», sempre «diretos» e nunca «tíbios»,
capazes de dizer ao povo «palavras fortes quando é preciso» e de chorar juntos
se for necessário. Eis o perfil do profeta delineado pelo Papa. O Pontífice
propôs um verdadeiro «teste» para reconhecer o profeta autêntico. Que,
explicou, não é um anunciador de «desventuras» nem «um juiz crítico», nem
sequer «um recriminador de profissão». Mas é um cristão que «repreende quando é
necessário», sempre «abrindo as portas de par em par» e pondo em risco
pessoalmente inclusive «a pele» pela «verdade» e para «restabelecer as raízes e
a pertença ao povo de Deus».
«Na primeira leitura ouvimos a narração do martírio de
Estêvão», disse o Papa referindo-se ao trecho dos Atos dos apóstolos (7, 51 –
8, 1). «É o final de uma longa história que ocupa dois capítulos do livro» e
«acaba desta forma». Uma história, explicou Francisco, que «começa quando
alguns da sinagoga dos libertos, vendo a realidade, os prodígios e a sabedoria
com a qual Estêvão falava, foram ter com ele para dialogar; e ele debatia com
eles». Mas eles «não estavam à altura da sabedoria e do espírito com o qual
falava, e em vez de reconhecer as argumentações, inventaram algumas calúnias e
levaram Estêvão a tribunal».
«No tribunal — prosseguiu — quando acabou de entrar, as
pessoas presentes viam o seu rosto como o de um anjo: transparente, forte,
luminoso». E assim «Estêvão começou a falar com eles, mas desde o início, e
narrou toda a história do povo judeu: Estêvão não queria discutir somente sobre
o hoje; queria restabelecer as raízes daquele povo que era fechado, que tinha
esquecido a história».
Por esta razão, «dá uma longa explicação no capítulo sete
de toda a história de Israel, mas no final dá-se conta de que aquelas pessoas
eram fechadas, não queriam ouvir». De facto, insistiu o Papa, «eram fechadas
nos seus pensamentos e Estêvão repreende-as do modo como Jesus também
repreendeu o povo e quase com as mesmas palavras: «teimosos e incircuncisos no
coração — isto é, pagãos, porque esquecestes as raízes — e nos ouvidos, opondes
sempre resistência ao Espírito Santo». Ou seja: «Vós não sois coerentes com a
vida que provém das vossas raízes».
Estêvão «narra que também os profetas foram perseguidos
pelos “vossos pais”, isto é, por aqueles que, como vós, tinham as raízes
secas». O trecho dos Atos observa que «ao ouvir estas coisas, ficaram furiosos
nos seus corações: enraiveceram-se ao máximo e rangiam os dentes contra
Estêvão». Esta atitude, afirmou Francisco, «faz ver a paixão desencadeada:
quando o profeta chega à verdade e toca o coração, ele ou se abre ou se torna
pedra e desencadeia-se a raiva, a perseguição, e aconteceu o mesmo depois da
morte de Estêvão, contra toda a comunidade de Jerusalém».
Os Atos narram também a reação de Estêvão: «Cheio do
Espírito Santo, olhando para o céu, viu a glória de Deus e Jesus que estava à
direita de Deus e disse: “Contemplo os céus abertos e o Filho do homem que está
à direita de Deus”». Desta maneira, explicou o Papa, «aquele rosto de anjo que
tinha no início transforma-se em contemplação e vê Deus».
Mas os Atos testemunham que, ao ouvir as palavras de
Estêvão, os seus interlocutores «com grande clamor, taparam os seus ouvidos».
«Era um gesto para dizer: “não quero ouvir isto”. Um gesto muito significativo»
para afirmar; «não quero escutar estas palavras que parecem uma blasfémia,
porque o meu coração não deseja ouvir, está fechado à escuta da palavra». E não
acaba aqui, referem os Atos, porque «se atiraram todos juntos contra ele,
lançaram-no fora da cidade e começaram a apedrejá-lo: acaba assim a vida de um
profeta». De resto, prosseguiu o Pontífice, «os profetas enfrentam sempre estes
problemas de perseguição por dizer a verdade, a verdade incomoda, muitas vezes
não é agradável». Com frequência «os profetas começaram a dizer a verdade com
doçura, para convencer, como Estêvão, mas no final não sendo ouvidos falaram
com dureza». E «também Jesus disse quase as mesmas palavras de Estêvão:
“hipócritas”».
«Qual é, na minha opinião, a prova de que um profeta
quando fala com vigor diz a verdade?» foi a questão formulada pelo Papa. «É
quando este profeta é capaz não só de dizer, mas de chorar sobre o povo que
abandonou a verdade». De facto «Jesus, por um lado, repreendeu com palavras
duras — “geração perversa e adúltera” por exemplo — e por outro chorou por
Jerusalém». Precisamente «esta é a prova: um verdadeiro profeta é aquele capaz
de chorar pelo seu povo e também de dizer palavras fortes quando devem ser ditas.
Não é tíbio, é sempre direto».
Por isto, prosseguiu Francisco, «o verdadeiro profeta não
é um “profeta de desventuras” como dizia São João XXIII», mas «um profeta de
esperança: abre as portas, restabelece as raízes e a pertença ao povo de Deus
para ir em frente». Portanto «não é um recriminador de profissão», aliás «é um
homem de esperança: repreende quando é necessário e abre as portas de par em
par olhando para o horizonte da esperança». Além disso, «o verdadeiro profeta,
se desempenhar bem o seu ministério, arrisca a própria pele como Estêvão». Os
Atos dos apóstolos narram que «no fim as testemunhas depuseram os seus mantos
aos pés de um jovem chamado Saulo, que aprovava o assassinato de Estêvão». Na
realidade «Saulo esqueceu o significado da própria raiz, conhecia bem a lei,
mas aqui — disse o Papa batendo a mão no peito para indicar o coração —
esquecera-a aqui».
E eis que «o Senhor toca o coração» de Saulo «e nós
sabemos o que aconteceu depois». Uma história, repetiu o Pontífice, que «nos
faz recordar uma bonita frase pronunciada por um dos primeiros padres da
Igreja: “O sangue dos mártires é semente dos cristãos”». E «no final, Estêvão
morre, apedrejado por ser coerente com a verdade e a pertença ao seu povo. E
parece que passa a tocha» a Saulo, naquele momento «ainda inimigo, que estava
presente mas ao qual o Senhor falará e fará ver a verdade». «Esta é a semente:
a semente de Estêvão, a semente de um mártir, a semente dos novos cristãos».
«A Igreja precisa dos profetas» afirmou Francisco,
acrescentando: «Direi mais, há necessidade de que todos nós sejamos profetas:
não críticos, este é outro aspeto», porque não é correto um profeta que se
elege sempre «juiz crítico, que não gosta de nada: “Não, isto não está bem, não
pode ser, não fica bem; não dá...”». Ao contrário, «profeta é aquele que reza,
olha para Deus, para o seu povo, sente dor quando o povo erra, chora — é capaz
de chorar pelo povo — mas também é capaz de fazer o possível para dizer a
verdade».
«Peçamos ao Senhor — concluiu o Papa — que não falte à
Igreja este serviço da profecia e que nos envie profetas como Estêvão que
ajudem a revigorar as nossas raízes, a nossa pertença, para irmos sempre em
frente».
PAPA FRANCISCO
MEDITAÇÕES MATUTINAS NA SANTA MISSA CELEBRADA NA
CAPELA DA CASA SANTA MARTA
Terça-feira,
17 de abril de 2018